Adrian Lyne: cineasta com DNA erótico
Há diretores que constroem sua carreira em torno de um gênero, outros que se consolidam pela experimentação radical, e há aqueles que, mesmo sem se assumirem como especialistas, acabam associados a uma atmosfera tão marcante que seu nome se torna quase sinônimo dela. Adrian Lyne pertence a essa última categoria. Se Hollywood tem sua tradição de exploradores da ação, da fantasia e do drama, Lyne é o artesão das tensões eróticas que escorrem da tela para a sala escura do espectador. É o cineasta que, sem jamais se colocar como provocador revolucionário, fez do desejo reprimido e da moralidade burguesa o combustível para alguns dos maiores sucessos do cinema adulto dos anos 80 e 90.
Quando lançou Atração Fatal em 1987, Lyne, nascido em 4 de março de 1941 em Peterborough (uma cidade-catedral inglesa), não apenas presenteou o mundo com uma trama que misturava adultério, obsessão e violência doméstica, mas também cunhou um tipo de cinema que parecia um manual ilustrado dos pesadelos da classe média americana. A imagem de Glenn Close fervendo um coelho tornou-se ícone cultural e, de certa forma, caricatura involuntária de um pânico masculino: a amante que não sabe ficar no seu lugar. Era cinema de suspense, mas também um tratado de costumes com molho erótico. Lyne sabia que a nudez, o desejo e o perigo estavam intimamente ligados — e usou isso sem pudores, mas sempre com acabamento elegante, distante da vulgaridade gratuita.
“Diferente do erotismo europeu, que flerta com o experimental e o filosófico, o britânico transplantado para Hollywood construiu sua carreira vendendo fantasia embalada em celofane.”
Sua assinatura, no entanto, não se restringe a coelhos na panela ou corredores de tribunal. Basta lembrar Proposta Indecente (1993), aquela fantasia coletiva que transformou a pergunta “você deixaria sua esposa passar uma noite com outro homem por um milhão de dólares?” em debate de mesa de bar e pauta de colunista moralista. O filme, estrelado por Robert Redford, Demi Moore e Woody Harrelson, era um melodrama temperado com especulação financeira do desejo. Lyne conseguiu o que poucos diretores alcançam: fazer com que o público discutisse sua vida íntima a partir de uma trama hollywoodiana. No fundo, era o voyeur coletivo que se realizava na poltrona do cinema.
Não dá para esquecer Infidelidade (2002), que levou Diane Lane ao Oscar com a história de uma dona de casa que, cansada do marasmo matrimonial, entrega-se a um amante francês. Novamente, Lyne jogava com um tema simples — traição — e o transformava em espetáculo estético de tensão psicológica e desejo reprimido. Há quem veja nele um moralista, porque suas histórias quase sempre punem o transgressor. Mas talvez Lyne seja menos um juiz moral e mais um cartógrafo das zonas cinzentas onde desejo e culpa se encontram.
O erotismo como linguagem cinematográfica
Lyne não inventou o erotismo no cinema — isso já era velho antes mesmo de Hollywood sonhar com códigos de censura. Mas ele o transformou em linguagem de massa, em produto rentável, em entretenimento de luxo com perfume de escândalo. Diferente do erotismo europeu, que flerta com o experimental e o filosófico, o britânico transplantado para Hollywood construiu sua carreira vendendo fantasia embalada em celofane. Seu cinema não queria chocar intelectuais, queria lotar salas. E lotou.
O curioso é que, apesar de seu DNA erótico, Lyne nunca se reduziu a isso. Ele também dirigiu Flashdance (1983), aquele hino pop do suor e da lycra que moldou a estética dos anos 80. Não havia ali a tensão adúltera de Atração Fatal ou a moralidade em cheque de Infidelidade, mas ainda assim a câmera de Lyne já revelava sua obsessão pelo corpo como espetáculo. Ele sabia filmar pele, suor e movimento com uma sensualidade quase publicitária. Talvez seja justamente isso: Lyne transformou o desejo em algo com cara de comercial de perfume, algo que seduz sem sujar as mãos.
Com Lolita (1997), sua adaptação do romance de Nabokov, Lyne mergulhou em território minado. O livro já era um ícone literário e tabu cultural. Ao transportar para o cinema a relação controversa entre Humbert Humbert e a jovem Dolores, o diretor fez menos um escândalo do que uma obra enviesada pela estética suave, como se o erotismo pudesse ser embrulhado em cetim. A crítica se dividiu, claro: uns acharam polido demais, outros viram coragem em enfrentar o proibido. De qualquer forma, Lyne reforçou sua marca de cineasta que habita a linha tênue entre a provocação e a embalagem luxuosa.
Hoje, em tempos de streaming e erotismo explícito em qualquer tela de celular, a obra de Adrian Lyne parece ao mesmo tempo, datada e necessária. Datada porque sua estética — cheia de fumaça, persianas semiabertas e olhares demorados — tem cheiro de videoclipe dos anos 80. Necessária porque lembra que erotismo não é apenas pele exposta, mas construção de atmosfera, tensão, moralidade em fricção com o desejo.

Lyne talvez nunca tenha sido um gênio da sétima arte, mas foi — e é — um cronista das pulsões humanas sob a lente da sociedade que finge pudor enquanto consome escândalo em massa. Um diretor que descobriu que entre a nudez e o pecado existe um mercado gigantesco, disposto a pagar ingresso. Se o desejo é universal, Lyne soube vendê-lo com a sofisticação de quem nunca quis ser radical, mas sempre quis ser lembrado. E, de certo modo, conseguiu.
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