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Aqui Agora: sinônimo de mundo cão

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Em 20 de maio de 1991, enquanto o Brasil ainda digeria a queda do Muro de Berlim, Collor trocava carros populares por confiscos e as telenovelas embalavam o fim de tarde com dramas açucarados, o SBT decidiu cuspir realidade na sala de jantar do brasileiro. Nascia, reencarnado da Tupi, o Aqui Agora, jornalismo de impacto – ou, para muitos, de espanto. Em vez de cabeças pensantes, apresentava cabeças decepadas. No lugar do “boa noite”, tiros, sequestros, cadáveres e gritos ecoavam ao vivo.

O slogan resumia o projeto com a delicadeza de um murro no estômago: “Um jornal vibrante, uma arma do povo, que mostra na TV a vida como ela é!”

“Agora, em pleno 2025, o SBT insiste em ressuscitar o defunto. Com a apresentação de Dani Brandi e Marco Pagetti, o novo Aqui Agora promete uma “linha menos sensacionalista” — seja lá o que isso signifique numa emissora que nunca fez jornalismo por convicção, mas sim por conveniência. A tentativa soa como dar aula de etiqueta no meio de um tiroteio.”

Essa vida, no caso, era um permanente estado de sítio. Com a câmera na mão e o escândalo na manchete, o programa foi pioneiro na estética do caos e no hiper-realismo do sensacionalismo. Os repórteres viraram gladiadores urbanos: corriam atrás de bandidos, negociavam com sequestradores e levavam tiros. Era um cinéma vérité sem roteiro e com muita pólvora.

O Brasil assistia hipnotizado ao próprio abismo. Os índices de audiência? Assustadoramente altos. Chegava a beliscar 50 pontos e fazer a toda-poderosa Globo suar frio no sofá.

Do colapso ao folclore midiático

Mas não era só sangue. Havia espaço para a desorganização institucional do país também no humor. O Aqui Agora transformou Maguila, o boxeador, em comentarista de economia. Colocou crianças para rir com a previsão do tempo do “Feliz”, aquele que dizia “piriri, pororó e tempos felizes!”. E criou, sem querer, políticos — como Celso Russomanno e Christina Rocha, que surfaram a onda da popularidade do jornalismo caricato para entrar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal, respectivamente.

Com o tempo, o programa se tornou ele mesmo uma caricatura. Era um produto de sua época, moldado por um país que acordava em meio a chacinas e dormia com novos escândalos. O massacre do Carandiru, o impeachment de Collor, a morte de Daniella Perez, o suicídio filmado da jovem Daniele Alves — tudo virou matéria-prima para o telejornal que mais se parecia com um filme de terror trash produzido às pressas no estacionamento do SBT.

Os bastidores também rendiam. Brigas entre apresentadores, agressões a produtores, demissões relâmpago, trocas de âncoras como quem troca de cueca — era um reality show institucionalizado antes mesmo de o gênero se popularizar. A segunda tentativa de emplacar o programa, em 2008, foi um fracasso digno de nota: boatos, conjuntivite, ameaças de corte pelo Ibope e, claro, o bom e velho barraco interno culminando na demissão de apresentadores ao vivo.

Ainda assim, o fantasma do Aqui Agora nunca foi exorcizado. Como um zumbi da cultura pop, ressurgiu intermitentemente ao longo das décadas seguintes. Ganhou versões locais, imitações grotescas e sucessores degenerados como o Cidade Alerta, o Brasil Urgente e outras pragas da televisão policialesca. Tentou voltar sob o nome de Tá na Hora em 2024, com ares reformistas e a benção de Silvio Santos. Mas esbarrou em brigas internas, crises de audiência e a saída nada elegante de Datena, estrela que brilha mais nas manchetes que no estúdio.

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Agora, em pleno 2025, o SBT insiste em ressuscitar o defunto. Com a apresentação de Dani Brandi e Marco Pagetti, o novo Aqui Agora promete uma “linha menos sensacionalista” — seja lá o que isso signifique numa emissora que nunca fez jornalismo por convicção, mas sim por conveniência. A tentativa soa como dar aula de etiqueta no meio de um tiroteio.

Na prática, o renascimento do programa é um sintoma da nostalgia mórbida que assola o Brasil midiático. Enquanto plataformas digitais reinventam o modo de consumir informação, a televisão aberta tenta vender cadáver requentado como se fosse notícia de última hora. É o velho truque da necrofilia jornalística: explorar a dor alheia para garantir o próximo bloco de anúncios. O “novo formato” pode até vir sem tanto sangue, mas perderá dificilmente o cheiro de naftalina e mofo moral.

Afinal, o Aqui Agora sempre foi menos uma janela para o mundo e mais um espelho — torto, suado, rachado — do Brasil profundo. Um Brasil que sorri diante da desgraça alheia, que transforma dor em audiência, que prefere a crônica policial à política internacional. Não à toa, o jornal comprava vídeos de amadores e cinegrafistas independentes como quem compra bala na esquina. Era jornalismo de liquidação: pague um assassinato e leve três barracos familiares.

Por fim, talvez a volta do Aqui Agora nem seja sobre jornalismo — mas sobre o vício da televisão em si. Ela se assiste para se lembrar do que foi, do que não sabe mais ser, do que ainda acredita que possa reviver. E nesse teatro de absurdos, o Aqui Agora volta a ocupar seu lugar legítimo: o trono sujo de uma TV que já foi vibrante, mas hoje apenas pulsa em espasmos.

Se vai durar? Duvidoso. Se vai ser relevante? Ainda mais. Mas no Brasil, onde a realidade anda sempre dois passos à frente da ficção, talvez não exista alternativa ao mundo cão — apenas sua repetição histérica.

Agora, em pleno 2025, o SBT insiste em ressuscitar o Aqui Agora (Foto: Reprodução)
Agora, em pleno 2025, o SBT insiste em ressuscitar o Aqui Agora (Foto: Reprodução)

E como dizia Russomanno:

Estando bom para ambas as partes…


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