Avicii: o escurecer abrupto em Omã
Houve um tempo em que Tim Bergling, o sueco de rosto sereno e fones gigantes, parecia destinado a reinventar a música eletrônica com a sutileza de um compositor clássico e a energia de um festival de verão. Avicii não apenas tocava para multidões — ele orquestrava êxtases coletivos, transformando acordes simples em experiências quase espirituais. Mas, em 20 de abril de 2018, em um resort em Mascate, Omã, o prodígio que levou o EDM ao rádio, ao mainstream e até as igrejas e casamentos, foi encontrado morto, aos 28 anos. A notícia percorreu o planeta com a velocidade de um drop bem programado. E, de repente, todo o brilho se apagou.
A indústria musical tratou o caso como uma tragédia pessoal e, convenientemente, como um lembrete do “lado sombrio da fama”. É verdade: as agendas extenuantes, a pressão criativa e o marketing implacável são venenos de efeito lento. No caso de Avicii, o veneno parece ter agido rápido demais. A versão oficial fala de suicídio com vidros quebrados de uma champanhe — e o silêncio calculado que se seguiu, misturado com homenagens melancólicas, deixou no ar a sensação de que a morte não foi apenas de um homem, mas também de um modelo de carreira que exige demais e devolve de menos.
“O fato é que, em Omã, o mundo perdeu mais do que um hitmaker: perdeu uma das poucas provas de que música comercial pode, sim, ser arte sem pedir desculpas.”
Avicii era mais do que “Wake Me Up” ou “Levels”. Sua produção combinava refrões pegajosos com arranjos complexos, como se cada música fosse um mapa sonoro para guiar a emoção humana. O problema é que ninguém sobrevive apenas de beleza. Ele mesmo disse, em entrevistas, que as turnês o exauriam física e mentalmente, que a máquina da música não entende o verbo “pausar”. Em 2016, anunciou que deixaria os palcos. Parecia uma decisão de saúde. Dois anos depois, a notícia vinda de Omã desmontou qualquer narrativa de recuperação.
O caso, claro, entrou no arquivo de tragédias pop que a mídia adora relembrar em datas redondas. O problema é que, na pressa de “homenagear”, pouco se questionou sobre os mecanismos que trituram talentos como Avicii. Como se o artista fosse um produto defeituoso, e não uma vítima de um sistema que transforma a pressão em moeda. É fácil culpar a “fragilidade emocional” — difícil é encarar que as engrenagens que moem um DJ global são as mesmas que, de forma mais silenciosa, esgotam o funcionário de escritório e o motorista de aplicativo.
O espetáculo que não sabe parar
A música eletrônica, nos anos 2010, foi o equivalente digital do ouro do Velho Oeste. Produtores viraram estrelas de arena, contratos milionários pipocaram, e festivais surgiram até em países que mal tinham cena local. Avicii surfou essa onda como poucos, mas também foi engolido por ela. Seus sets eram eventos milimetricamente coreografados para provocar catarse coletiva, mas, nos bastidores, o custo era incalculável: insônia, dores crônicas, ansiedade e uma dependência preocupante de remédios.
A parada abrupta em 2016, quando anunciou o fim das turnês, foi vista como um ato de coragem. Hoje, parece mais um pedido de socorro. E aqui vale a provocação: se a indústria fosse um organismo sensível, teria entendido o recado e ajustado o ritmo. Mas a música pop, como o capitalismo que a sustenta, não conhece o verbo “reduzir”. Um artista sai, outro entra. A fila anda e o line-up permanece intacto.
A ironia é que, após sua morte, Avicii se tornou ainda mais rentável. Álbum póstumo, documentários, camisetas, playlists infinitas — o pacote completo da canonização comercial. A mesma engrenagem que o desgastou encontrou na tragédia um produto com valor agregado. Não é cinismo: é a lógica fria do mercado.
A história de Avicii é, em certo sentido, a parábola de uma geração que cresceu conectada, criativa e acelerada — e que descobriu, tarde demais, que nem todo combustível serve para longas distâncias. É a crônica de um talento que brilhou forte demais e rápido demais, sem tempo para se acostumar à própria luz. E talvez, o mais incômodo seja perceber que a indústria ainda não mudou nada. O palco continua armado, a música continua alta, e o relógio do burnout segue marcando o compasso.
Se Avicii tivesse sobrevivido, talvez estivesse hoje produzindo trilhas de cinema, colaborando com orquestras, explorando a fusão entre música eletrônica e sons folclóricos. Talvez tivesse se tornado um mentor para jovens DJs, ensinando que não vale a pena trocar a vida por uma agenda lotada. Mas isso é só talvez. O fato é que, em Omã, o mundo perdeu mais do que um hitmaker: perdeu uma das poucas provas de que música comercial pode, sim, ser arte sem pedir desculpas.

E, no fundo, talvez essa seja a verdadeira tristeza — perceber que o silêncio que se seguiu não é só o de quem partiu, mas também o de quem ficou e continua fingindo que nada precisa mudar.
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