Como a televisão chegou ao Brasil?
A televisão brasileira, tal como conhecemos hoje — plural, caótica, cativante e, muitas vezes, contraditória — teve sua estreia oficial em 18 de setembro de 1950. Nessa data, foi ao ar a TV Tupi, canal 3 de São Paulo, fundada por Assis Chateaubriand. Mas antes que as primeiras imagens tremidas pudessem ser vistas por uma audiência diminuta, cercada de curiosidade e espanto, houve uma operação ambiciosa nos bastidores, marcada por disputas políticas, interesses empresariais e muito improviso técnico. A televisão não “chegou” ao Brasil: ela foi trazida à força, por decisão unilateral de um magnata da comunicação — não necessariamente por uma demanda popular ou planejamento estratégico do Estado.
Chateaubriand, dono dos Diários Associados — o maior conglomerado de mídia do país na época —, era um homem de projeto pessoal. Determinado a introduzir a televisão no Brasil antes mesmo que países mais desenvolvidos da Europa consolidassem seus sistemas, ele não mediu esforços nem recursos. Enviou técnicos brasileiros aos Estados Unidos para aprender com a CBS, comprou equipamentos de ponta e, sobretudo, mobilizou sua enorme influência política para acelerar permissões, isenções e acordos comerciais. A televisão brasileira nasceu assim: elitizada, centralizada e voltada para um público reduzido, composto majoritariamente por moradores da capital paulista, com poder aquisitivo suficiente para comprar um televisor — objeto caríssimo, símbolo de status social.
“A televisão brasileira de hoje é um sistema robusto, com dezenas de canais abertos e centenas de opções por assinatura ou streaming. Mas sua chegada, em 1950, foi marcada por uma escolha de cima para baixo, que refletia os desejos de uma elite midiática mais interessada em marcar posição do que em democratizar o acesso à informação.”
A crítica que se faz hoje, 75 anos depois, é que essa chegada da televisão foi mais espetáculo do que infraestrutura. O país não estava preparado para assimilar uma revolução midiática em plena era Vargas, com altos índices de analfabetismo, pouca eletrificação fora dos grandes centros e desigualdade de acesso gritante. Ainda assim, a TV Tupi estreou com pompa: com discursos oficiais, presença de políticos e a apresentação de peças teatrais ao vivo, tentando reproduzir no Brasil a lógica das emissoras norte-americanas.
Se é verdade que a televisão chegou ao Brasil por meio de um ato de vontade empresarial, também é verdade que os artistas é que a sustentaram nos primeiros anos. Sem videotape, sem gravação, sem edição: tudo era ao vivo. E nessa lógica, a dramaturgia foi o carro-chefe. Peças adaptadas, radionovelas transpostas e roteiros improvisados marcaram a base de uma teledramaturgia que se tornaria uma das maiores do mundo nas décadas seguintes.
Entre os primeiros nomes a ganhar destaque, destaca-se Walter George Durst. Nascido em São Paulo em 1913, Durst era um dramaturgo e roteirista de origem modesta, com uma veia crítica aguçada e formação sólida nas artes cênicas. Tinha passagem pelo rádio e foi um dos primeiros escritores a perceber o potencial narrativo do novo meio. Suas adaptações de clássicos da literatura, como “O Idiota”, de Dostoiévski, e “Hamlet”, de Shakespeare, foram elogiadas pelo esforço de traduzir a densidade dos textos ao formato televisivo ao vivo.
Do teatro ao vídeo: a dramaturgia como fundação da TV brasileira
Durst não apenas escreveu para a televisão, como também ajudou a formar atores e técnicos, defendendo que a televisão precisava mais de cérebro do que de dinheiro. Foi um defensor da cultura nacional, combatendo a cópia acrítica dos modelos estrangeiros. Mesmo diante das limitações técnicas e da censura que viria a se intensificar nos anos seguintes, ele via na televisão uma arma cultural poderosa. Nos bastidores da TV Tupi e depois na TV Cultura, deixou uma marca de intelectualidade que contrabalançava o crescente apelo comercial da televisão brasileira.
Hoje, infelizmente, seu nome é pouco lembrado fora dos círculos acadêmicos. Em um momento em que as produções audiovisuais são marcadas por algoritmos e métricas de engajamento, a figura de Durst lembra uma era em que a televisão, mesmo que elitista em seu nascimento, ainda pretendia educar e iluminar — não apenas entreter.

A televisão brasileira de hoje é um sistema robusto, com dezenas de canais abertos e centenas de opções por assinatura ou streaming. Mas sua chegada, em 1950, foi marcada por uma escolha de cima para baixo, que refletia os desejos de uma elite midiática mais interessada em marcar posição do que em democratizar o acesso à informação. O mérito dos artistas, técnicos e dramaturgos — como Walter George Durst — foi o de transformar essa imposição em expressão, esse aparato em arte.
Que os próximos 75 anos da televisão brasileira não se limitem à nostalgia ou ao algoritmo, mas que recuperem, quem sabe, um pouco do espírito criativo e comprometido que marcou sua gênese. A televisão não deve apenas entreter: deve também lembrar de onde veio, e para quem deve servir.
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