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Fantástico: revista eletrônica irrelevante?

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Em 5 de agosto de 1973, a TV Globo estreava um programa que logo se tornaria sinônimo de domingo à noite no Brasil: o Fantástico. Com seu formato inovador para a época — uma mistura de telejornalismo, entretenimento e curiosidades — o “show da vida” criado por Boni, encantou plateias por décadas, criando quadros memoráveis e revelando talentos, de Glória Maria a Marcelo Canellas. Mas os tempos mudaram, e o que antes era porta de entrada da semana virou, para muitos, um ruído de fundo entre a última garfada da janta e o bocejo de segunda-feira.

Na primeira semana de julho, o Fantástico amargou apenas 14,2 pontos de audiência na Grande São Paulo, seu pior desempenho desde 29 de dezembro passado, quando marcou 13,5. Para um programa que já rompeu a barreira dos 30 pontos com certa regularidade, o dado atual soa como um alarme tardio: a majestade dominical da Globo já não reina — e talvez nem tenha mais trono. A decadência do Fantástico não é exatamente uma surpresa; ela é um reflexo da lenta, mas constante erosão da TV aberta como referência cultural, e da própria Globo como centro nervoso da sociedade brasileira.

“A mudança de consumo audiovisual no Brasil não é sutil: o streaming consolidou-se como primeira tela. E, pior para o Fantástico, até mesmo dentro da própria Globo a concorrência é cruel. O Globo Repórter, antes considerado sisudo e ultrapassado, encontrou novo fôlego com pautas ecológicas e humanas que tocam mais diretamente a sensibilidade do espectador moderno.”

Claro, ainda há quem veja o programa. Mas trata-se de um público residual, fiel mais por costume do que por encanto. Uma geração cresceu associando o tema de abertura do Fantástico ao fim do fim de semana, ao início da obrigação, à melancolia da rotina.

O Fantástico era o editorial audiovisual de um país inteiro. Hoje, é um apanhado errático de quadros reciclados, reportagens “profundas” com estética de TikTok e entrevistas com famosos que disseram algo viral na quinta-feira e reaparecem no domingo com o mesmo discurso, mas menos impacto.

Entre o museu e a paródia

O problema do Fantástico não é apenas de audiência — é de identidade. O programa vive uma crise existencial diante de um mundo que consome informação de forma fragmentada, ágil e interativa. O Fantástico, por sua vez, parece um parente elegante que se recusa a sair do apartamento antigo: veste terno, fala bonito, mas ninguém mais presta atenção. É uma revista eletrônica sem conteúdo exclusivo, um show sem vida. A tentativa de rejuvenescer com apresentadores mais jovens, quadros com “influencers” e linguagem mais coloquial não resgata audiência, tampouco resgata a alma perdida do programa.

Quando se tem TikTok, YouTube, podcasts e reportagens de fôlego em plataformas independentes, por que esperar até o domingo à noite para ver uma matéria editada à exaustão sobre um crime que já virou thread no X (ex-Twitter) três dias antes? O que era inovação virou atraso. O que era tendência virou reprise.

E há algo quase tragicômico nessa transformação. Um programa que já ditou o ritmo do Brasil — dos desfiles de moda à denúncia de corrupção, das séries internacionais às aventuras de mascotes — hoje se apega a um formato de vitrine digitalizada, tentando fazer jornalismo de Instagram com a solenidade do grande e saudoso Cid Moreira. O resultado é uma caricatura de si.

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A mudança de consumo audiovisual no Brasil não é sutil: o streaming consolidou-se como primeira tela. E, pior para o Fantástico, até mesmo dentro da própria Globo a concorrência é cruel. O Globo Repórter, antes considerado sisudo e ultrapassado, encontrou novo fôlego com pautas ecológicas e humanas que tocam mais diretamente a sensibilidade do espectador moderno. Já o Fantástico continua apostando em uma miscelânea que, na melhor das hipóteses, entretém de forma morna e, na pior, cansa.

A saída pode não estar na reinvenção, mas no reconhecimento de que ciclos se encerram. Talvez o Fantástico devesse abraçar sua natureza de relicário televisivo e assumir um papel mais curatorial, menos noticioso. Ou talvez seja hora de aposentadoria com dignidade — não como fim, mas como transição. A TV já tem espaço para novas experiências, novos formatos, novos domingos.

Por ora, segue no ar, como um gigante sonâmbulo, andando no escuro da audiência. E o público, esse já acordou faz tempo.

No fundo, o Fantástico ainda é importante — mas talvez não para o espectador. Importante para os executivos que não sabem o que pôr no lugar, para os anunciantes que ainda se ancoram no símbolo de prestígio que o nome carrega, e para a própria Globo, que hesita em aceitar que o seu Sunday night show já foi.

O Fantástico era o editorial audiovisual de um país inteiro aos domingos (Foto: Arquivo)
O Fantástico era o editorial audiovisual de um país inteiro aos domingos (Foto: Arquivo)

Como dizia Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra — e toda lenda tem prazo de validade. O Fantástico já foi o retrato do Brasil em 16:9. Hoje, parece um porta-retratos embaçado na sala de estar. Continuamos passando por ele, mas raramente paramos para olhar.


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