Griselda Blanco e o matriarcado do pó
Griselda Blanco não foi uma criminosa qualquer. Foi um monumento à transgressão, uma matriarca do narcotráfico, um símbolo do que acontece quando se mistura poder, cocaína, violência e um instinto empresarial apurado. O nome da colombiana volta a circular com força nos circuitos culturais, graças à onda de produções audiovisuais sobre sua vida e à revisão crítica que o mundo contemporâneo vem fazendo sobre o papel das mulheres no crime organizado. Há quem tente glamourizar sua trajetória, mas é preciso ter cuidado: o que Griselda construiu foi um império de sangue.
Nascida em 1943 em Cartagena e criada em Medellín, Griselda Blanco aprendeu cedo que o mundo é dos impiedosos. Migrando para os Estados Unidos, fixou-se em Miami nos anos 1970, onde se tornaria uma das figuras centrais da chamada “cocaine cowboys era” – um tempo em que a Flórida parecia menos um estado americano e mais uma filial informal do cartel de Medellín. Ela não apenas abriu caminho no tráfico internacional: ela o pavimentou, sinalizou e ainda cobrou pedágio. Chegou a movimentar bilhões de dólares, sendo responsável por um fluxo estimado de 1,5 tonelada de cocaína por mês nos EUA.
“Griselda não queria igualdade de gênero: queria o monopólio da violência. E conseguiu isso usando as mesmas ferramentas de seus pares: corrupção, assassinatos, chantagens e intimidação. Seu poder era baseado no medo, não na esperança de transformação social.”
Ao contrário dos chefões tradicionais que mandavam discretamente dos bastidores, Griselda era direta, pública, temida e temível. Com uma biografia recheada de execuções frias, alianças quebradas e uma contabilidade de mortes que varia entre cinquenta e duzentas (dependendo da fonte e da lenda), ela foi apelidada de “Viúva Negra” e “Madrinha do Pó”. Não era uma mulher que se intimidava com convenções. Seus três maridos acabaram mortos – dois, supostamente, por ordem dela mesma. Era, segundo investigadores da DEA, mais brutal do que muitos de seus colegas homens.
Mas Blanco também foi vítima de seus próprios excessos. Em 1985, foi presa e condenada a 20 anos de prisão por tráfico. Cumpriu pena nos Estados Unidos, foi deportada para a Colômbia e acabou executada em 2012, ironicamente, da mesma forma que eliminava seus inimigos: dois tiros na cabeça, dados por pistoleiros em uma moto, à moda Medellín. Morreu como viveu – no centro do caos que ela mesma ajudou a instaurar.
A rainha que governava entre cadáveres
O fascínio por Griselda Blanco ressurge em ciclos. Em parte, pela brutalidade cinematográfica de sua vida – e em parte, por aquilo que ela representa no imaginário coletivo: uma mulher que quebrou as barreiras do machismo até no submundo do crime, onde até a misoginia é institucionalizada. Num universo em que os chefes de cartéis são sempre homens com sobrenomes como Escobar, Ochoa, Guzmán e Gacha, a figura de Blanco reluz (ou apavora) por destoar. Ela não apenas competia com eles – ela os ultrapassava em ferocidade.
Mas a adulação contemporânea deve ser examinada com mais frieza. É verdade que há um certo revisionismo cultural que se encanta com criminosos icônicos – vide o culto pop a figuras como Al Capone, Bonnie e Clyde, El Chapo ou mesmo Pablo Escobar. No entanto, transformar Griselda em símbolo feminista, como tentam alguns documentários, é uma leitura tão distorcida quanto perigosa. Ser mulher não torna seus crimes menos cruéis. Sua trajetória não é sobre empoderamento, mas sobre sobrevivência sem escrúpulos.
Griselda não queria igualdade de gênero: queria o monopólio da violência. E conseguiu isso usando as mesmas ferramentas de seus pares: corrupção, assassinatos, chantagens e intimidação. Seu poder era baseado no medo, não na esperança de transformação social. Ainda assim, é sintomático que uma mulher tenha conseguido subir tão alto num sistema que a preferia invisível. E é exatamente isso que a torna um caso de estudo fascinante para sociólogos, historiadores e roteiristas.
Mais do que a história de uma narcotraficante, a vida de Griselda é um espelho sombrio da América Latina dos anos 70 e 80: uma região onde a miséria, o abandono estatal e as promessas frustradas de modernização criaram solo fértil para o narcotráfico. Ela era um produto e uma produtora desse ambiente – uma empresária que, se tivesse nascido em outro meio, talvez comandasse uma multinacional ao invés de uma rede de assassinatos.

No fim, o “matriarcado do pó” de Griselda Blanco não é uma metáfora de empoderamento feminino, mas a demonstração de que o poder, quando exercido sem ética, apenas reproduz as violências que deveria combater – com saias, saltos e um fuzil na bolsa.
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Anacleto Colombo assina a seção Não Perca!, onde mergulha sem colete na crônica sombria da criminalidade, da violência urbana, das máfias e dos grandes casos que marcaram a história policial. Com faro apurado, narrativa envolvente e uma queda por detalhes perturbadores, ele revela o lado oculto de um mundo que muitos preferem ignorar. Seus textos combinam rigor investigativo com uma dose de inquietação moral, sempre instigando o leitor a olhar para o abismo — e reconhecer nele parte da nossa sociedade. Em um portal dedicado à informação com profundidade, Anacleto é o repórter que desce até o subsolo. E volta com a história completa.




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