O talento mercurial de Whoopi Goldberg
É curioso como, em um mundo que idolatra transformações relâmpago e carreiras meteóricas, a trajetória de Whoopi Goldberg desafia o roteiro convencional do estrelato. Não foi um boom passageiro, nem um produto embalado por executivos de Hollywood — foi um crescimento orgânico, temperado com talento bruto, humor afiado e uma versatilidade quase desconcertante. Goldberg, nascida Caryn Elaine Johnson em 1955, emergiu dos palcos off-Broadway para conquistar um território raro: a tríplice coroa do entretenimento (Oscar, Emmy, Grammy e Tony). Essa façanha, reservada a pouquíssimos, não é só medalha no currículo; é a prova de que o talento dela é capaz de atravessar fronteiras culturais e mercadológicas com uma desenvoltura mercurial.
A década de 1980 foi o ponto de virada. Sua performance em A Cor Púrpura (1985) não apenas a colocou no radar da crítica internacional, mas também mostrou ao público que ela não se encaixaria no molde da “atriz cômica de nicho” — rótulo que tantos tentaram lhe impor. Ali estava uma intérprete capaz de equilibrar vulnerabilidade e força com um toque quase invisível, mas devastador. Hollywood, claro, tentou domesticá-la, mas Whoopi sempre preferiu caminhar pelas beiradas, onde a liberdade criativa é mais fértil e a autoparódia pode ser uma arma letal.
“Goldberg não se prende a uma zona de conforto: já fez filmes esquecíveis, produções infantis, comédias duvidosas e aparições surpreendentes em animações e séries.”
O público se apaixonou por sua habilidade de transitar entre o drama lacrimejante e o humor sem filtro. Ghost – Do Outro Lado da Vida (1990) consolidou essa alquimia: o papel de Oda Mae Brown, uma médium charlatona com coração de ouro, rendeu-lhe o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Foi o momento em que a indústria teve de se curvar ao seu alcance popular. Mas é no subtexto que reside o segredo: Goldberg constrói personagens com uma empatia que não é melosa, mas cheia de arestas, como se dissesse ao espectador “eu entendo sua dor, mas não vou romantizá-la”.
Em paralelo, sua carreira na televisão e no palco mostrou um senso de timing que não se aprende em escola de teatro. No The View, programa que coapresenta desde 2007, Goldberg exerce um papel quase shakespeariano de “bobo da corte” — aquele que, sob o manto do humor, fala as verdades mais desconfortáveis. O formato diário testou sua paciência e a colocou no centro de debates inflamados, mas também revelou uma faceta de âncora cultural: ela não apenas comenta o noticiário, mas o influencia, moldando percepções com a mesma destreza com que um ator muda de máscara no teatro kabuki.
A contradição como combustível artístico
O que torna Whoopi Goldberg particularmente fascinante não é só o currículo, mas a contradição que ela encarna. É uma artista que se proclama avessa a rótulos, mas que os coleciona: atriz, comediante, ativista, apresentadora, produtora. Essa multiplicidade poderia diluir o impacto, mas no caso dela, funciona como um campo de força. Sua militância por causas sociais — do combate ao racismo à defesa da comunidade LGBTQIA+ — nunca foi um acessório publicitário; é parte integrante da persona pública, com um pragmatismo que irrita tanto militantes puristas quanto reacionários.
Há também a inteligência estratégica de quem sabe que a indústria do entretenimento é volúvel. Goldberg não se prende a uma zona de conforto: já fez filmes esquecíveis, produções infantis, comédias duvidosas e aparições surpreendentes em animações e séries. Essa disposição para o risco mantém seu nome vivo e, paradoxalmente, a blinda contra o esquecimento. Não que ela esteja acima de críticas — seu humor, às vezes, flerta com o anacronismo e certas opiniões no The View já geraram polêmicas que ameaçaram sua imagem. Mas, como uma boa artesã de si mesma, Goldberg sabe recuar, reconfigurar e voltar ao jogo.
No cenário em que celebridades são queimadas na fogueira virtual por deslizes mínimos, Whoopi mantém-se como figura de resistência, não por ser irrepreensível, mas por ser real. Ela não promete perfeição moral; entrega, sim, humanidade com todas as suas falhas. É esse pacto honesto que a torna, mesmo aos 69 anos, relevante para um público que vai de cinéfilos puristas a espectadores ocasionais de talk show.

Whoopi Goldberg é, enfim, um raro exemplo de artista que não é refém de um único papel ou momento. Ela é um corpo em movimento, um talento que se adapta sem perder a identidade — como mercúrio, escorregadio e impossível de conter numa forma estática. Talvez esse seja seu maior legado: ensinar que a autenticidade, mesmo quando incômoda, é a moeda mais duradoura no mercado instável da fama.
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