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Talk Shows: uma fórmula desgastada?

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É curioso observar que, em tempos de lives de TikTok, podcasts de quatro horas e reels com edição de videoclipe da MTV dos anos 2000, os tradicionais talk shows estão cada vez mais… silenciados. Aquilo que já foi o grande altar das entrevistas com celebridades, o espaço nobre para a sátira política e o confessionário velado das estrelas parece hoje um relicário perdido num canto empoeirado da TV – ou melhor, do YouTube. Não há dúvidas: o talk show clássico, como conhecíamos, perdeu tração, audiência e, talvez, relevância.

Não faltaram ícones para este formato. David Letterman, com seu humor ácido e a barba que virou marca registrada, revolucionou a madrugada americana. Jay Leno, com sua previsibilidade bem-humorada, segurou por décadas o trono da NBC. Johnny Carson, por sua vez, criou o modelo que todos os outros seguiram. Conan O’Brien deu ao gênero uma irreverência intelectual, enquanto Jon Stewart transformou um talk show em instrumento de crítica jornalística – e comédia de altíssimo nível. Até hoje, clipes de Stewart descascando políticos são usados como exemplo de análise crítica mais efetiva que muitos editoriais.

“Um talk show de verdade não era apenas uma conversa. Era espetáculo, era refinamento, era construção narrativa. Hoje, temos só “conteúdo”.”

Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel, por sua vez, foram o rosto da fase “viralizável” do talk show: esquetes com celebridades, joguinhos engraçados, e aquele sorriso constante de quem precisa agradar o algoritmo. Stephen Colbert, que fora uma força cômica imbatível no The Colbert Report, viu sua acidez ser atenuada para caber no figurino de apresentador bonzinho de rede aberta.

No Brasil, o retrato tem contornos semelhantes. O saudoso Jô Soares, com seu “Beijo do Gordo” e suas entrevistas que misturavam literatura, política e humor, era mais do que um apresentador – era um curador cultural. O fim do Programa do Jô, em 2016, selou o fim de uma era. Danilo Gentili, que ainda se mantém no ar com seu The Noite, representa um esforço de continuidade, mas seu programa muitas vezes apela a uma sátira engessada e nichada, mais política do que propriamente plural.

Da ironia ao tédio: o declínio dos formatos

É importante observar que não se trata apenas de uma mudança de público. Estamos falando de uma transformação profunda no modo como consumimos informação, entretenimento e carisma. Os talk shows nasceram numa época em que se esperava a hora marcada da entrevista. Hoje, espera-se que o conteúdo nos encontre antes mesmo do café da manhã – de preferência, em até 90 segundos.

Além disso, houve um esvaziamento da figura do entrevistador como autoridade. Johnny Carson ou Jô Soares tinham um magnetismo que impunha respeito e curiosidade. Suas perguntas tinham peso. Eram, de certo modo, mediadores do espírito da época. Hoje, a entrevista está em todo lugar: em podcasts descontraídos como o Flow, no Conversa com Bial – que tenta resgatar alguma densidade cultural – ou até em lives caóticas no Instagram entre subcelebridades com seguidores comprados.

E há ainda a corrosão estética. Os cenários de talk show viraram fórmulas genéricas: sofá + caneca + banda. Os roteiros se tornaram repetitivos. O jogo de perguntas e respostas segue uma cartilha previsível, com piadas frias e pautas mornas. O espectador cansou. E o público jovem? Nem sabe mais o que é uma bancada com microfone fixo.

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É possível falar também de uma perda cultural. Sim, perdemos algo quando um formato que outrora aproximava o espectador da inteligência afiada de artistas, escritores, músicos e políticos de alto calibre é substituído por cortes de podcast onde alguém “destrói” alguém com três frases. Não é só uma mudança de mídia, é uma mudança de densidade.

Alguns vão dizer que os talk shows apenas evoluíram. Que estão nos podcasts, nos canais do YouTube e nas entrevistas feitas por influenciadores digitais. Que o formato sobrevive, só que mutante. Há verdade nisso. Mas há também uma diferença entre sobreviver e significar. Um talk show de verdade não era apenas uma conversa. Era espetáculo, era refinamento, era construção narrativa. Hoje, temos só “conteúdo”. E isso, convenhamos, é um downgrade brutal.

Fato é que, nos últimos anos, as entrevistas que geram impacto não saem mais dos programas tradicionais. Vêm de podcasts independentes, de vídeos de jornalistas anônimos ou da boca de quem mal sabe onde está. Um talk show clássico exige elaboração, timing, roteiristas, edição, direção. Um vídeo viral precisa só de uma câmera frontal e uma boa treta.

Talvez o problema não seja a fórmula em si, mas o espírito do tempo que exige tudo, o tempo todo – e rápido. Em um mundo que já não sabe mais o que fazer com a pausa, com a escuta atenta e com a construção de uma conversa interessante, os talk shows morreram porque foram civilizados demais. Não gritam, não se estapeiam, não prometem revelações bombásticas a cada minuto.

Jô Soares era mais do que um apresentador – era um curador cultural (Foto: Arquivo)
Jô Soares era mais do que um apresentador – era um curador cultural (Foto: Arquivo)

Pode ser que renasçam. A televisão já nos surpreendeu antes. Quem sabe, com um novo rosto, uma nova linguagem e o retorno da substância, os talk shows encontrem um caminho de volta. Até lá, resta-nos o YouTube para matar a saudade de uma época em que conversar era arte – e não apenas conteúdo compartilhável.


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