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Bandolins: um Oswaldo Montenegro inspirado

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A canção “Bandolins”, lançada em 1980 por Oswaldo Montenegro, é uma joia de delicadeza que atravessa o tempo como se estivesse fora dele. Em meio a uma MPB que já flertava com o pop, o rock rural e a sofisticação hermética da geração pós-tropicalista, Montenegro aparece com um violão afiado e versos que parecem escritos com pena de pavão molhada em nostalgia. Trata-se de um daqueles raros momentos em que a leveza e a melancolia dançam de mãos dadas — e ao som, é claro, dos bandolins.

Sim, a letra é uma valsa. Literal e simbolicamente. Ela gira, rodopia, desobedece às expectativas do tempo, do espaço e, principalmente, do juízo. Quem canta observa, suspira, idealiza. E o mais curioso: observa alguém dançando como se fosse um par, mas o par é a própria canção, o próprio sentimento. A mulher que dança (ou é a lembrança dela?) transforma o botequim em salão, o colo em palco, e o vento em parceiro de baile. Não há refrão chiclete, tampouco estrutura radiofônica. Mas há alma. E um sopro de lirismo que hoje parece quase contrabando.

“A canção, portanto, é um ato de resistência estética. E também de amor, claro. Mas de um amor que não se consome, que não se quer imediato, que se constrói na repetição do passo, na dança da madrugada, na fé tola — mas necessária — de que a ternura ainda pode vencer o tempo.”

Montenegro, que sempre foi visto como um trovador de palcos alternativos e peças teatrais de esquina, atingiu em “Bandolins” uma espécie de auge lírico. O que temos aqui não é uma simples canção de amor: é uma crônica etérea da persistência do afeto — mesmo quando tudo já parece ter passado.

A letra diz: “como se não fosse um tempo em que já fosse impróprio se dançar assim”. A frase embute um protesto sutil contra o cinismo dos novos tempos, contra a aceleração da vida urbana e até contra o desinteresse por gestos mínimos, como dançar uma valsa.

Uma fada no botequim

“Iluminavam a fada do meu botequim.” Eis aí um verso que caberia tanto em Fernando Pessoa quanto num samba do Noel Rosa. É nesse encontro improvável entre o sublime e o popular que reside o charme de “Bandolins”. Montenegro inventa, ali, uma nova musa: a mulher que não está no Olimpo nem nas avenidas, mas que surge dançando num balcão, entre cachaças e madrugadas, como uma epifania tardia.

A fada do botequim não é ingênua, nem idealizada ao modo das moças da Bossa Nova. Ela é concreta, talvez tenha rugas, talvez tenha mágoas, mas dança. E ao dançar, recusa-se a ser soterrada pela pressa dos dias. É uma mulher que insiste na beleza da lentidão, no gesto quase extinto de valsar quando o mundo exige corrida.

E Montenegro, mesmo tão jovem na época, entendeu isso. Usou os bandolins — esse instrumento de aura quase mágica, quase medieval — para montar uma cena que desafia o tempo cronológico. Em 1980, enquanto o Brasil se debatia entre aberturas políticas e kits de videotape, ele nos deu essa fábula suave sobre uma mulher que desafia convenções com o balé dos próprios ombros.

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Claro, o tom é sentimental. Mas não é piegas. O sentimentalismo aqui é quase barroco: cheio de imagens, nuances, passagens sutis que exigem do ouvinte algo raro atualmente — escuta atenta. O que está em jogo não é a história de um amor perdido, mas sim a permanência de uma estética de delicadeza num mundo cada vez mais brutalizado.

E os bandolins — não se esqueça deles — tocam como se viessem de outro plano. Não é o som do rádio, do mercado, do algoritmo. É o som da memória. Soam como o eco de um tempo em que as pessoas se olhavam mais, tocavam-se mais, e quem sabe até dançavam uma valsa sem pedir licença ao ridículo.

A canção, portanto, é um ato de resistência estética. E também de amor, claro. Mas de um amor que não se consome, que não se quer imediato, que se constrói na repetição do passo, na dança da madrugada, na fé tola — mas necessária — de que a ternura ainda pode vencer o tempo.

Quarenta e cinco anos depois, “Bandolins” segue firme, talvez mais relevante do que nunca. Num mundo em que até o romantismo virou um item de consumo, Oswaldo Montenegro nos lembra que o sublime ainda pode habitar o cotidiano — se houver coragem para dançar fora de hora.

A partitura de “Bandolins”, lançada em 1980 por Oswaldo Montenegro (Foto: Google)
A partitura de “Bandolins”, lançada em 1980 por Oswaldo Montenegro (Foto: Google)

Ao som dos bandolins. Sempre!


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