Belarus e o último ditador europeu
Lá se vão mais de três décadas desde que Alexander Lukashenko se sentou na cadeira de presidente da então recém-independente Belarus — e não mais levantou. Desde 1994, o ex-diretor de fazenda coletiva (uma espécie de gerente soviético da lavoura) fez da república pós-soviética um relicário do autoritarismo eslavo. E como toda relíquia viva de um passado que insiste em não morrer, Lukashenko tornou-se, por méritos próprios e falta de competição, o que muitos já chamam de “o último ditador da Europa”. Um título que ele não apenas ostenta com gosto, mas atualiza com firmeza, mês após mês.
Não se trata apenas de estilo. Trata-se de substância, e da mais rija. Prisões políticas, eleições fraudadas, repressão a manifestações, controle da imprensa, fechamento de ONGs, vigilância em massa, alinhamento automático com o Kremlin. O cardápio autoritário de Lukashenko é tão completo que serviria como currículo ilustrado num museu dos horrores políticos do século XXI. Seu governo é uma ode tardia ao stalinismo, temperado com nostalgia soviética e paranoia geopolítica.
“A questão central que permanece é: o que será de Belarus quando Lukashenko sair finalmente de cena?”
Recentemente, no fim de junho, assistimos a um raro episódio de afrouxamento. Foram libertos 14 críticos do regime, entre eles o oposicionista Siarhei Tsikhanouski — o blogueiro que ousou sonhar com a presidência em 2020 e terminou num calabouço por isso. A notícia da libertação, embora bem-vinda, não mascara o cenário geral: a prisão foi política, o indulto também. A diferença é que, agora, coincidiu com a visita de um enviado especial dos EUA, o general Keith Kellogg, a Minsk.
Coincidência? Só para quem ainda acredita em sincronicidades diplomáticas em regimes autocráticos.
O teatro de sombras do velho Lukashenko
Lukashenko mantém Belarus como um teatro de sombras soviético: tudo parece acontecer de verdade, mas é só encenação. As eleições? Fraude. O parlamento? Fantoche. A imprensa? Domada. A oposição? Presa ou exilada. A economia? Refém de subsídios russos. A soberania? Uma linha cada vez mais tênue no mapa do mundo.
A peça mais famosa desse teatro foi encenada em 2020, quando Tsikhanouski, então um youtuber com milhões de visualizações, anunciou que concorreria à presidência. Foi preso antes mesmo de registrar sua candidatura. Sua mulher, Svetlana Tsikhanouskaya, assumiu o posto e galvanizou as esperanças democráticas do país. O que se seguiu foi um carnaval de repressão: fraude eleitoral, protestos pacíficos esmagados com brutalidade, e uma fuga em massa de opositores para a Lituânia e a Polônia.
O que mudou de lá pra cá? Muito pouco. Lukashenko continua no poder. Putin continua seu fiador geopolítico. E Belarus, na prática, funciona como uma província, fantasma da Federação Russa. O único motivo pelo qual a recente libertação de presos políticos não é recebida com ceticismo absoluto é que, mesmo num deserto democrático, uma gota de água é motivo de alívio. Mas o poço da liberdade bielorrussa continua fundo, sujo e selado.
Em termos internacionais, o gesto tem cheiro forte de oportunismo. A visita do general Kellogg não foi trivial. Ele representa os interesses dos EUA não só em Belarus, mas, principalmente, na guerra na Ucrânia. Minsk, sendo território estratégico, tornou-se uma peça lateral, porém sensível no tabuleiro da guerra. E Lukashenko sabe muito bem que vale mais como interlocutor útil do que como inimigo irrelevante. Libertar alguns prisioneiros serve para sinalizar “boa vontade” — mesmo que a ditadura permaneça intacta.
Em tom mais farsesco, é quase irônico que a libertação dos opositores tenha ocorrido ao mesmo tempo, em que os próprios EUA enfrentam seus demônios internos de autoritarismo crescente. Ainda assim, por mais problemas que tenha, Washington não tem nada comparável à longa noite bielorrussa, onde o relógio da democracia foi parado em 1994 e nunca mais voltou a andar.
A questão central que permanece é: o que será de Belarus quando Lukashenko sair finalmente de cena? A resposta pode ser reconfortante — ou ainda mais inquietante. O vácuo deixado por ditaduras longas costuma ser instável. E, como a própria história da Europa Oriental mostra, os fantasmas do passado são difíceis de exorcizar.

Enquanto isso, Svetlana Tsikhanouskaya, agora exilada e figura diplomática da oposição, continua sua cruzada incansável por uma Belarus livre. É ela quem vem dizendo ao mundo: “Ainda não terminamos”. E tem razão. Lukashenko pode ter recuado milímetros, mas a distância entre Minsk e a democracia plena continua longa. Por ora, ele permanece, firme e sinistro, como o último ditador europeu — um monumento vivo ao que não deveria mais existir.
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