Os oportunistas e a Lei Magnitsky
Quando os Estados Unidos, sob a batuta do recém-reeleito Donald Trump, incluíram Alexandre de Moraes na famigerada lista da Lei Magnitsky, o bolsonarismo comemorou como se fosse o hexa. Era tudo o que queriam: uma chancela gringa para validar anos de narrativas contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje o rosto mais visível da resistência jurídica ao delírio autoritário de 2023. O Brasil, que vive das suas próprias distorções democráticas, encontrou no gesto americano a senha para ressuscitar um revisionismo perigoso: o da anistia aos “patriotas” golpistas.
Mas que ninguém se engane. A decisão de Trump – cheia de implicações diplomáticas e jurídicas – tem muito mais a ver com o xadrez ideológico da extrema-direita global do que com qualquer interesse genuíno nos meandros da Justiça brasileira. É retórica armada com papel timbrado. Um presente para a militância de boné e camiseta da CBF. E, principalmente, uma arma política nas mãos de deputados como Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, que não perdeu tempo em transformar a sanção americana em slogan nacional.
“Mas o Brasil está longe de ser um terreno neutro nessa disputa. A decisão de Trump – tão ideológica quanto calculada – ocorre em um contexto no qual os aliados de Bolsonaro ainda tentam limpar a barra dos atos de 8 de janeiro de 2023.”
Lupion escreveu, orgulhoso, em sua conta no X (ainda mais tóxica que o Twitter de outrora):
“Precisou vir o presidente americano com uma medida super dura e muito forte em relação ao ministro Alexandre de Moraes para que se entendesse a urgência de votar a anistia no Congresso Nacional.”
Em outras palavras: se o mundo (ou, mais precisamente, a América de Trump) critica Moraes, então o Brasil deve perdoar os que tentaram um golpe de Estado. A lógica é tortuosa, mas eficaz. E esse é justamente o ponto central da política oportunista: converter o ultraje em utilidade.
O Brasil dos arroubos, das amnésias e das anistias
A Lei Magnitsky, para os desavisados, é um dispositivo legal criado para punir autoridades envolvidas em graves violações de direitos humanos ou corrupção sistemática. Originalmente dirigida contra figuras do regime russo, foi transformada em ferramenta global de política externa, servindo de bastão moral (e geopolítico) para o governo americano. O nome vem do advogado russo Sergei Magnitsky, morto em 2009 após denunciar fraudes estatais. A lei passou a simbolizar uma espécie de palmatória da civilização ocidental.
Mas o Brasil está longe de ser um terreno neutro nessa disputa. A decisão de Trump – tão ideológica quanto calculada – ocorre em um contexto no qual os aliados de Bolsonaro ainda tentam limpar a barra dos atos de 8 de janeiro de 2023. Depredações, pedidos por intervenção militar, destruição de patrimônio público, tentativa de subverter o resultado de uma eleição legítima: tudo isso virou, na boca de seus defensores, “manifestações cívicas”.
A entrada de Moraes na Lei Magnitsky, embora real, não deve ser confundida com um julgamento imparcial ou universalmente aceito de sua conduta. É um ato político, vindo de um governo que já demonstrou pouco apreço pelas instituições democráticas – tanto em casa quanto fora. O governo Trump, versão 2.0, é o mesmo que fez juras de amor a ditadores, estimulou teorias da conspiração, e agora tenta reescrever a história da sua própria tentativa de golpe em 2021.
Assim, quando deputados brasileiros usam a sanção como argumento para aprovar uma anistia vergonhosa, o que se vê é a substituição do debate sério por uma espécie de “lavação de alma com selo gringo”. O erro vira símbolo. A punição vira mártir. A democracia, de novo, vira refém.
É preciso lembrar: Moraes, com todos os seus excessos (se é que existem) e decisões polêmicas, não organizou milícias digitais, nem financiou invasões a prédios públicos, nem pediu intervenção militar com claque na frente de quartel. Ele reagiu – com dureza, sim – a uma escalada autoritária orquestrada por setores do próprio Estado. Isso não o exime de críticas, claro. Mas equipará-lo aos agentes de regimes opressores do Leste Europeu ou da Ásia Central, como sugere a inclusão na lista, é uma operação mais ideológica do que factual.
Enquanto isso, no Brasil, o uso da Lei Magnitsky virou palanque político e chantagem legislativa. A ideia de anistiar criminosos com base na antipatia que um governo estrangeiro nutre por um magistrado brasileiro é, no mínimo, constrangedora. No máximo, é o suicídio institucional de uma República que ainda tenta se livrar da ressaca de um quase-golpe.

O pior dos cenários não é a existência de um Trump em Washington. É a existência de políticos brasileiros que preferem se curvar a ele do que se responsabilizar pelos erros cometidos por seus aliados.
Neste teatro, não faltam atores. Faltam juízo, memória e vergonha. E sobra, claro, oportunismo.
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