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The End: Beatles em 2 min geniais

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Há quem diga que um testamento precisa de solenidade, carimbos e longas páginas encadernadas. Os Beatles, como bons insolentes do século XX, resolveram mostrar que um epitáfio musical cabia em menos de três minutos. The End, última faixa gravada coletivamente pelos quatro de Liverpool, não é apenas um fecho de álbum — é uma despedida em miniatura, um compêndio pop de tudo o que a banda aprendeu em dez anos de estúdio, palcos e brigas internas. Soa como um bilhete deixado na porta da eternidade: rápido, espirituoso e irônico.

Dizem que cada segundo da canção é um gesto calculado, e talvez seja. Paul McCartney, sempre afeito a brilhos melódicos, oferece uma linha suave que mais parece uma piscadela à posteridade. Ringo Starr, subestimado por décadas, ganha seu único solo de bateria, como se os outros tivessem finalmente deixado o “moço quieto” mostrar a sua virada. E depois, o espetáculo triplo das guitarras: McCartney, Harrison e Lennon se revezam em solos que parecem disputas e reconciliações. É duelo de egos ou abraço final? A resposta, como sempre, é ambígua.

“Por isso, The End é maior do que parece. Não é só uma faixa de álbum; é um gesto simbólico. É a assinatura final no documento de ruptura mais famoso da história da música.”

A ironia maior é que The End aparece em Abbey Road, disco que os Beatles sabiam ser a última chance de soar como uma banda unida. No entanto, a faixa parece tudo, menos uma ruptura amarga. Pelo contrário, tem espírito de celebração. Em pouco mais de dois minutos, condensam tudo: virtuosismo, vaidade, camaradagem e uma frase final que entrou para a mitologia do rock: “And in the end, the love you take is equal to the love you make”. Uma máxima quase budista, saída da boca de rapazes que começaram tocando covers em porões de Hamburgo.

Curiosamente, a canção é curta demais para satisfazer qualquer ouvinte acostumado a épicos do rock progressivo da época. Mas aí está a genialidade: eles sabiam cortar antes do excesso, interromper o banquete no ponto em que todos ainda estão com fome. Não é um muro de som à la Phil Spector, não é uma sinfonia interminável. É apenas o necessário. E nesse “apenas”, cabe a ousadia de encerrar a maior carreira da música popular com economia britânica e charme quase cínico.

A brevidade como grandiloquência

Se o rock estava cada vez mais interessado em alongar compassos, solos e experimentalismos, os Beatles foram pelo caminho oposto. A brevidade de The End não é limitação, mas provocação. Dois minutos bastam para mostrar que o essencial não precisa ser diluído em firulas. É como se dissessem: “Vocês querem épicos? Pois bem, aqui está o nosso, condensado como um telegrama.”

Esse recurso — a síntese como forma de grandeza — ecoa em muitos artistas posteriores. Punk, new wave e até o indie do século XXI herdaram a ideia de que a força pode estar na concisão. The End é quase um esboço, mas funciona como quadro final de uma galeria de obras-primas. É como se Picasso tivesse decidido encerrar sua carreira com um simples rabisco, mas que contém todas as suas fases anteriores.

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O impacto também vem da estrutura. O solo de Ringo é inusitado, porque nunca lhe deram tal espaço. E quando as guitarras entram em revezamento, temos não só um duelo, mas um retrato em som do que eram os Beatles: três personalidades distintas, cada uma insistindo em sua própria voz, mas ainda assim compondo um diálogo. O resultado soa mais teatral do que musical. É quase uma peça curta, um “ato final” de Shakespeare transposto para guitarras e bateria.

Por isso, The End é maior do que parece. Não é só uma faixa de álbum; é um gesto simbólico. É a assinatura final no documento de ruptura mais famoso da história da música. O quarteto não precisou anunciar nada: bastaram dois minutos de arte condensada para eternizar o adeus.

Claro, não é uma despedida perfeita. Alguns críticos acham que o solo de bateria é banal, outros que os riffs de guitarra são meros exercícios de vaidade. Mas essa imperfeição também faz parte do encanto. Ninguém esperava harmonia plena de quatro egos em ebulição. O que temos ali é o último registro de uma convivência criativa, tumultuada e milagrosa.

The End é última faixa gravada coletivamente pelos quatro de Liverpool (Foto: Apple)
The End é última faixa gravada coletivamente pelos quatro de Liverpool (Foto: Apple)

The End mostra que os Beatles sabiam encerrar uma história com a medida exata entre sarcasmo e transcendência. Nem lágrimas, nem discursos. Apenas a constatação: o amor que você leva é o mesmo que você dá. Uma frase simples, que parece óbvia, mas que continua ecoando como um sermão pop para gerações que sequer viram a banda existir. É curto, é genial, é Beatles até a medula.


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