Trump, Maduro, petróleo e afins…
Há peças de teatro político que parecem escritas por dramaturgos barrocos, e a atual tensão entre Estados Unidos e Venezuela seria digna de Calderón de la Barca ou, em registro mais farsesco, de um Gil Vicente caribenho. Nicolás Maduro, entre proclamações de soberania e uniformes camuflados, anunciou nesta segunda-feira, 18 de agosto, que mobilizará 4,5 milhões de milicianos para “proteger o solo sagrado da Venezuela”. Uma bravata com ecos épicos, mas com cheiro de improviso desesperado. Afinal, a matemática é implacável: o Exército venezuelano mal alcança 150 mil combatentes ativos, e o número inflado de milicianos parece mais propaganda do que poder real.
Do outro lado do palco, Donald Trump, de volta ao comando da Casa Branca, retoma sua velha cruzada contra o chavismo como quem relança uma franquia de sucesso. Aumentou a recompensa para quem entregar Maduro e autorizou a movimentação de tropas e navios na região, ora confirmada, ora negada por porta-vozes do Pentágono. A contradição não surpreende: a diplomacia trumpista costuma ser uma mistura de “tweet matinal” com “show de auditório”. No fundo, a mensagem é clara — Washington não reconhece Maduro como presidente legítimo e não hesitará em dramatizar o roteiro da “América contra o narcotráfico”.
“Enquanto isso, os navios americanos aparecem e desaparecem das manchetes como fantasmas. A cada 36 horas, surgem boatos de movimentações navais, prontamente negados depois. Essa coreografia lembra o teatro kabuki: gestos grandiosos, olhares intensos, mas pouca ação real.”
Há, claro, o pano de fundo energético. A Venezuela, com suas reservas de petróleo das maiores do planeta, continua sendo um território que instiga cobiça. Se o ouro negro já foi a base da sua prosperidade nos anos de Chávez, hoje é maldição que atrai bloqueios, disputas geopolíticas e promessas de libertação. O discurso militarizado de Maduro, recheado de mísseis, fuzis e metáforas revolucionárias, parece um recurso para manter mobilizada uma população exausta, mergulhada em inflação crônica, falta de infraestrutura e desesperança. O inimigo externo, como em qualquer manual clássico de política, serve como cola ideológica.
Mas é no tom farsesco da situação que reside o aspecto mais intrigante. De um lado, Trump, que reencena a luta contra “o mal bolivariano” para fortalecer sua narrativa interna de salvador da pátria. De outro, Maduro, que convoca camponeses e operários para formar milícias como se estivesse encenando uma ópera popular armada. No meio, milhões de venezuelanos que já não acreditam em retórica revolucionária nem em promessas norte-americanas.
Um teatro de sombras e petróleo
O que se observa é um teatro de sombras em que ambos os protagonistas lucram. Trump reforça sua imagem de líder duro e resgata um antagonista perfeito para manter viva a retórica de que os Estados Unidos estão sob ataque constante, seja por cartéis de drogas, seja por ditadores caricatos. Já Maduro ressignifica o cerco como prova de que o “imperialismo ianque” ainda teme o espírito bolivariano, convertendo-se em herdeiro de uma resistência que beira o mito.
Mas não há como ignorar que a economia venezuelana continua devastada. O país, outrora símbolo da abundância petrolífera, transformou-se em laboratório da escassez. O barril de petróleo que sustenta a narrativa nacionalista é também o que financia o regime e mantém a elite política no poder. Trump sabe disso, e sua estratégia de pressão é tão econômica quanto militar. Afinal, nada enfraquece um governo como a redução do fluxo de dólares e a imposição de sanções que corroem o cotidiano das ruas.
Curiosamente, a disputa parece menos sobre democracia ou narcotráfico e mais sobre quem controla a narrativa. Para Washington, Maduro é o rosto perfeito de um vilão tropical que ameaça a estabilidade hemisférica. Para Caracas, Trump é a encarnação do império decadente que insiste em colonizar simbolicamente a América Latina. É um jogo de espelhos em que cada acusação serve para reforçar o enredo do outro.
Enquanto isso, os navios americanos aparecem e desaparecem das manchetes como fantasmas. A cada 36 horas, surgem boatos de movimentações navais, prontamente negados depois. Essa coreografia lembra o teatro kabuki: gestos grandiosos, olhares intensos, mas pouca ação real. A guerra parece mais midiática que militar, embora sempre exista o risco de algum acidente diplomático transformar retórica em pólvora.
Na prática, o cidadão comum venezuelano não se alimenta de discursos nem de armas distribuídas em fábricas. A promessa de “mísseis para a classe trabalhadora” é um disparate que escancara a falta de soluções concretas para problemas básicos como energia, saúde e comida. Já o norte-americano médio, cansado de ouvir sobre guerras no Oriente Médio, talvez veja na aventura latino-americana mais uma distração passageira — até a próxima crise doméstica capturar a atenção.

O que resta é a percepção de que, a política global continua funcionando como espetáculo, onde líderes se comportam mais como atores do que como estadistas. Maduro e Trump interpretam papéis que já conhecem de cor: o resistente anti-imperialista e o justiceiro do Ocidente. O público internacional, cansado de reprises, acompanha com ceticismo. Afinal, a peça tem sempre o mesmo desfecho: o povo paga o ingresso mais caro.
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