Um novo nós contra eles?
Era uma sexta-feira morna de fim de junho, quando o Partido dos Trabalhadores decidiu inflamar novamente os poros da política nacional com mais uma peça publicitária de gosto duvidoso — mas objetivo muito claro: reacender o velho binarismo social que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conhece como poucos. A propaganda lançada nas redes sociais no dia 27 escancara a aposta do PT na polarização clássica entre “pobres oprimidos” e “ricos opressores”, numa estética que mistura o dramalhão francês do século XIX com pitadas de CGI gerado por Inteligência Artificial. Sim, até a revolução agora tem filtros de TikTok.
Na peça, o trabalhador comum aparece arqueado sob o peso de um saco de impostos — literal, com a palavra “imposto” estampada em letras garrafais — enquanto o rico, retratado como um homem branco, engravatado e sorridente, carrega um saco muito menor, quase leve como a consciência tributária nacional. O roteiro é direto, sem espaço para sutilezas: os pobres carregam o Brasil nas costas, os ricos dançam a ciranda da isenção.
“A Fundação Perseu Abramo, do próprio PT, já alertou sobre isso. Pobres querem virar ricos, e rápido. E se possível, sem carregar sacos simbólicos nas costas.”
Eis aí o novo slogan do Governo: Tributação BBB — bilionários, bancos e apostas. Não falta nem a provocação final ao espectador: “Mostre que você tem inteligência, mas não é artificial.” Um marketing em camadas — ou talvez só em camadas de artificialismo mesmo.
A referência explícita ao novo Imposto de Renda que isenta rendimentos até R$ 5.000 mensais é uma tentativa de vender justiça social num momento em que o Governo sofre críticas tanto pela expansão dos gastos públicos quanto pela dificuldade em convencer o Congresso a taxar os de cima.
O farol moral de um Estado fatigado
Há algo de literário (e um tanto anacrônico) na peça. A aura de “Germinal” de Zola, com um toque de “Os Miseráveis”, não passa despercebida. O Estado surge como o libertador messiânico, o vingador dos humildes. Mas há também um ranço de panfleto escolar. A fórmula está desgastada: ricos são sempre maus, pobres são sempre bons, o Governo é sempre justo, e a oposição, claro, é a vilã oculta da história. Só faltou o Galo Carijó cantando o hino da igualdade fiscal no fundo da tela.
A tentativa de reviver o “nós contra eles” se esbarra, porém, num Brasil que já não se encaixa tão bem nesses moldes. As classes populares, especialmente nas periferias urbanas e nos rincões evangélicos do país, não se veem mais como soldados de um exército proletário à espera da utopia estatal. Querem empreender, subir na vida, comprar o próprio carro, abrir o salão, investir em criptomoedas (até que o Governo taxe isso também). O “ser rico” deixou de ser visto como um desvio moral para se tornar um objetivo — e isso, ironicamente, foi muito impulsionado pelos anos petistas de crédito e consumo.
A Fundação Perseu Abramo, do próprio PT, já alertou sobre isso. Pobres querem virar ricos, e rápido. E se possível, sem carregar sacos simbólicos nas costas.
O dilema, portanto, é duplo: como convencer essa nova classe aspiracional de que ela deve se indignar com o rico, quando o rico é, na verdade, o espelho onde ela quer se ver? E pior: como propor justiça fiscal sem parecer que se está tentando nivelar por baixo — punindo quem produziu e prosperou?
No Congresso, a história também é menos cinematográfica. A proposta de novo IR que isenta os de baixa renda e aumenta a tributação sobre os mais ricos enfrenta resistência. Líderes do Legislativo alegam que o Governo Lula gasta demais e corta de menos. A equação fiscal se desequilibra, e a conta política chega mais cedo do que se gostaria.

Fora dos salões de Brasília, os brasileiros assistem a esse teatro com crescente ceticismo. As denúncias de fraudes no Bolsa Família, que somam até R$ 11 bilhões por ano, expõem fissuras profundas na gestão dos programas sociais. E se o discurso é de justiça, como aceitar que parte da ajuda estatal vá parar nas mãos de quem engana o sistema?
Ainda assim, o PT dobra a aposta. Porque, no fundo, sabe que polarização dá voto. Ou melhor: dá engajamento. E numa era em que o algoritmo define o debate, nada é mais valioso do que o clique motivado pela raiva ou pela culpa. A IA pode ter gerado as imagens, mas o impulso é bem humano: dividir para governar.
Se a estratégia funcionará em 2026, ainda é cedo para dizer. O que se sabe, com certeza, é que o velho jogo do “pobres contra ricos” voltou a ser carta no baralho eleitoral. E a julgar pelo tom da propaganda, o PT não quer apenas jogar — quer embaralhar o tabuleiro inteiro.

A pergunta que resta é: quem, afinal, vai cair no truque?
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