Os canais de notícias terão futuro?
Os números são frios, quase microscópicos, mas revelam uma história interessante: entre maio e junho, os quatro principais canais jornalísticos da TV paga no Brasil cresceram no Ibope. Cresceram, veja bem, não por mérito editorial ou inovação tecnológica, mas por causa da guerra entre Irã e Israel — um conflito a milhares de quilômetros daqui, que reacendeu a velha fome humana por tragédias transmitidas em tempo real. A GloboNews, por exemplo, subiu de 0,10 para 0,11 ponto; a CNN Brasil e a Jovem Pan News, empatadas, passaram de 0,03 para 0,04; e a BandNews dobrou sua audiência, saindo de 0,01 para 0,02 ponto. Antes que alguém ache que isso é uma façanha, convém lembrar: 0,01 ponto equivale a cerca de 7 mil espectadores por minuto.
Traduzindo em miúdos: o país inteiro cabe em um auditório médio de show sertanejo. Mas o que está em jogo aqui não é apenas a aritmética de uma medição. É a dúvida existencial sobre o destino de um gênero de comunicação que um dia foi sinônimo de autoridade e que hoje parece sobreviver à base de alarmes geopolíticos. Quando há guerra, desastre ou escândalo, a audiência dá um espasmo. Quando a poeira baixa, voltam as moscas.
“Nos canais brasileiros, o sintoma é evidente. O noticiário virou uma espécie de looping nervoso de manchetes. O repórter fala, o analista comenta, o convidado discorda, o apresentador conclui — e tudo se repete em 15 minutos. O público, sem paciência, vai para o X, o TikTok ou o YouTube, onde o mesmo assunto é mastigado em linguagem de influencer.”
A GloboNews ainda reina — com seu público fiel do Rio, os mesmos que aprenderam a dizer “ao vivo” com voz grave e olhar compenetrado desde os tempos áureos de Leilane Neubarth como apresentadora-mor do Jornal GloboNews. A CNN Brasil tenta encontrar uma identidade entre o sotaque norte-americano e a estética de noticiário de aeroporto. A Jovem Pan News se equilibra entre o jornalismo e o entretenimento político, com um público paulistano mais inflamado.
A BandNews, discreta e resiliente, cumpre sua função quase pedagógica: informar quem ainda zapeia. O canal do UOL, por sua vez, marca traço — e traço, no Ibope, é o nada com antena.
Quando o plantão é eterno
O fenômeno é global. Nos Estados Unidos, a CNN original vive uma crise de identidade tão profunda que já nem sabe mais se é canal de notícias, talk show político ou uma espécie de reality de pundits. A Fox News, sustentada pela militância conservadora, ainda reina em audiência, mas seu público envelhece junto com seus apresentadores. A MSNBC tenta ser o contraponto progressista, mas muitas vezes soa como o espelho invertido da Fox — menos raiva, mais culpa.
A BBC, no Reino Unido, enfrenta cortes orçamentários e uma audiência cada vez mais fragmentada entre plataformas digitais. Sua credibilidade ainda é alta, mas o prestígio não paga streaming. Já a Al Jazeera, do Catar, continua sendo uma referência de jornalismo internacional, embora carregue o fardo de sua origem: uma emissora árabe financiada por um emirado bilionário que nem sempre pratica o que prega. Ainda assim, é uma das poucas que mantém correspondentes em campo quando o resto do mundo prefere comentar pela webcam.
O ponto comum entre todas elas é o mesmo: a transição para um modelo de consumo fragmentado, on demand, onde a notícia já não é esperada, mas pescada ao acaso nas redes sociais. O velho hábito de “assistir às notícias” foi substituído pela ansiedade de “ver se algo aconteceu”. A informação virou notificação.
Nos canais brasileiros, o sintoma é evidente. O noticiário virou uma espécie de looping nervoso de manchetes. O repórter fala, o analista comenta, o convidado discorda, o apresentador conclui — e tudo se repete em 15 minutos. O público, sem paciência, vai para o X, o TikTok ou o YouTube, onde o mesmo assunto é mastigado em linguagem de influencer. A credibilidade perdeu espaço para o carisma.
Mas, curiosamente, ainda há resquícios de prestígio. Em momentos de crise — guerra, atentado, pandemia, golpe, enchente — é para a TV que muita gente corre. Há uma confiança ancestral no poder da tela grande e da voz solene. É o mesmo instinto que leva as pessoas a buscarem um padre em funerais ou um médico em pânico: a necessidade de uma autoridade que diga o que está acontecendo.
O problema é que entre um plantão e outro o mundo fica entediante. E o tédio é o maior inimigo da TV paga. Nenhum canal de notícias sobrevive de calmarias.
O futuro, se houver, talvez esteja na convergência: redações multiplataforma, jornalistas com autonomia digital, transmissões híbridas e formatos que misturem urgência com análise, sem a velha rigidez de teleprompter. Os canais que entenderem que o público quer contexto e não apenas cobertura talvez sobrevivam ao algoritmo.
Mas até lá, a vida dos canais de notícia seguirá como a dos velhos jornais impressos: lutando contra o tempo, contra a irrelevância e contra a sensação de que o mundo só presta atenção quando explode. Em paz, ninguém os assiste. Em guerra, todos voltam a procurá-los — como se as bombas tivessem o poder de ressuscitar não apenas as manchetes, mas também a nossa fé na televisão.

No fim das contas, talvez o futuro dos canais de notícias seja o mesmo de sempre: durar até o próximo conflito.
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